20. Depoimento de José Joaquim Ferreira José Joaquim Ferreira, de Coimbra. Médico no Porto.
- Delegado: - Gozando V. Ex.ª nesta cidade e em todo o País um nome e crédito dos mais distintos, a sua palavra deve ser tomada quási como um Evangelho. Diga V. Ex.ª o que sabe a respeito deste processo.
- Testemunha: - Com relação ao processo pouco sei.
Diz, porém, o que se passou com ele na casa Sampaio. Fôra chamado com urgência, na quarta-feira de Cinzas, de 90, àquela casa. Quando chegou, num quarto, à esquerda da escada, tinha acabado de morrer um menino. Verificou a morte. Foi a outra sala, onde estavam duas camas e em cada cama uma menina que lhe disseram enfêrmas. Viu-as. A do lado direito pareceu-lhe amais doente. Não tinha dados para julgar, quanto ao Mário, da causa da sua morte. Preguntou desde quando estavam doentes as meninas. Responderam-lhe que desde segunda-feira. Ficaram incomodadas, na segunda, depois de terem comido uma coisa, que lhe não explicaram logo o que fôsse. Vomitaram tudo o que comeram – sentindo iguais incómodos o Mário, a avó e a criada preta. Inquiriu se os doentes tinham sido vistos por algum colega – que não, e que aquilo lhes passara com sais de fruta. Na quarta-feira, começaram a aparecer sintomas violentos nas três crianças, ao que se segiui a morte do menino, persistindo aquelas manifestações nas duas meninas. Pelo cadáver do Mário pareceu-lhe que ele fôra vítima dum envenenamento, por ópio ou algum dos seus derivados. As doentes apresentavam sintomas que não podia ju

lgar produzidos pelo ópio, mas antes pela beladona. Acusavam constrição da garganta, perda de visão, falta de urinas, etc. – sintomas de envenenamento pela beladona. Preguntou de algum colega tinha receitado. Resposta negativa. Mostraram-lhe uma receita de sulfato de quinino, em limonada sulfúrica. Era pouco, em tais condições. Não podendo explicar as tais intermitências entre o que se tinha dado na segunda-feira e na quarta, pareceu-lhe que havia ali um facto criminoso. E daí o ter convocado, por um bilhete, a compar~encia do Comissário.
Viu a caixa remetida de Lisboa – já lá não estavam os bolos de côco. Aconselhou a avó das doentes a que chamasse outro médico, para astratar, pois tinha de ir a Lisboa no dia imediato.
- Delegado: - V. Excª. conhece venenos, ou qualquer alcalóide, que faça efeito hoje, desaparecendo esse efeito e reaparecendo 48 horas depois, sem que novo tóxico possa efectuar esse reaparecimento?
- Testemunha: - Não senhor. Só por adicionamento de novo veneno.
- Delegado. – O Réu aconselhou os clisteres de cidreira às crianças, dizendo que, mercê deles, elas dormiriam melhor e ganhariam forças. A cidreira tem propriedades narcóticas ou reconstituintes?
- Testemunha: - Receita-se para os flatos. (Risos)
- Delegado: - Ministrados os clisteres, os meninos dormiram e acordaram de manhã, o Mário com náusias, falta de vista e pêso na cabeça e a sensação de que a casa andava á roda delas. A cidreira produz esses sintomas?
- Testemunha: – Não senhor.
- Delegado: - O Réu aplicou-lhes novos clisteres de cidreira. O Mário reteve o dêle, morreu; as meninas, que o expeliram, estiveram prestes a morrer. À vista disto, não houve mais alguma coisa?
- Testemunha: - Mais alguma coisa houve.
- Delegado: - Como se lhe pode chamar? Será veneno?
- Testemunha: - Será.
A defesa nada quere da testemunha.
O Escrivão lê o depoimento do Doutor José Carlos Lopes, a que se fazem referências em vários momentos subsequentes.
Segue-se a testemunha José Carlos Godinho de Faria, natural de Tomar, médico no Pôrto.
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